sábado, 27 de agosto de 2011

Teu cheiro

Teu cheiro. O único que guardei. O único que, aglutinado ao suor, hipnotiza-me o olfato. Cega-me a pele. Arrepia-me os olhos e me lacrimeja a boca.

Teus poros são meu portal. As reentrâncias em que me perco a esquecer o resto. Invasão imersa em fúria na volúpia do impulso. Necessidade de ter-te e te travar nos braços. Pressionar-te na parede e te enquadrar com os olhos. Revelar-te minha fome pra te espalhar em bandejas. Temperar-te em meu corpo apimentando-te a pele.

E sem dó me aconchegar em tua cintura, desbravando-te o céu, manchando com minhas nuvens teus azuis mais ocultos. Invadir-te os alvéolos com meu vapor de ofegâncias. Ninar-te os quadris das cavidades à superfície. Devorar-te das beiradas ao recheio, da orla às entranhas e te salgar por inteiro. Só pra te impregnar em mim.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sereiágua


É como um sonho. Perder-me assim e mergulhar na imensidão da sua magia é o melhor dos meus detalhes. Minha vida, você. O que me desperta o brilho dos olhos, o desejo de ir além do que não posso alcançar em terra firme, a coragem que me faz superar os medos, que me faz redescobrir quem sou, e reencontrar minhas particularidades mais recônditas. Minha máscara e minha nudez, minha fantasia e minha realidade. Meu devaneio e minha libido. Minha dualidade. O que não posso ser, o que jamais imaginei, o que jamais seria. Meu precioso furta-cor. Onde sei voar mais alto do que minhas possibilidades e minhas amplitudes. Onde morro e renasço, desaguando para além de mim. Quando suas cortinas se fecham, o aperto no coração, fazendo de mim todo suspiro e saudade. Mesmo sem as luzes da ribalta, adormeço em seu assoalho frio, onde sou acalentado pelo silêncio dos aplausos repousados, embalado pelas lembranças daqueles instantes mágicos, pelo desejo ávido de regressar às suas andanças infinitas. Pelas reticências que deixas em mim, por tudo que há de eterno em suas efemeridades. Por tudo que há de manso e vil em mim. Por todos que em você repousaram, gritaram, voaram: escorro-me...

Performance "Sereiágua": Renato Ziggy

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Águas

Eu me perderia fácil em suas nuances. Talvez porque suas curvas me envolvem a ponto de se tornar hipnose. E eu, em transe, poderia cantar mil devaneios ao pé de seu ouvido, fazendo sua alma dançar com a minha ao som de nossos desejos. Porque é tudo sorriso. Minha pele na sua é interseção de infinitos, é esquecimento do todo, é a inutilidade do resto. Por isso a nossa música toca incessantemente, e quando sua imagem me vem à mente, a Poesia aflora e me deságuo em mar pra nadar com você. É que as ondas acalentam nossos ouvidos, e a temperatura da Canção aflora por entre meus dedos... E você se esvai em palavras, desaguando diante de meus olhos como um rio de mim. Aí eu já me perdi mesmo, sem me preocupar aonde irei, se volto, se sumo, se permaneço. Só sei que preciso da sua melodia tocando a minha, de nossas falanges se entrelaçando em nós, e o calor invadindo. Minhas águas adentrando suas reentrâncias e a noite caindo, cobrindo a intensidade do nosso querer...

domingo, 31 de julho de 2011

Tempesto

Esconde-esconde. Quanto mais se vai, mais se perde. Por entre as paredes, a névoa adentra. O mais claro é o mais escuro; o mais límpido, o mais opaco. As palavras soam estranhas, eu não consigo me ouvir. A madrugada me apetece. Mergulhando no que me confunde, tudo que sei é respirar água. Pro fundo caminho. Todas aquelas estrelas que costumavam me visitar à noite, não mais avisto. Não sei pra onde foram; perdi-me. E o que dizer diante desta janela absurda? Palavras são lançadas ao vento todos os dias, descartáveis como a contemporaneidade, tão estranhas quanto eu mesmo. Eu me desfaleço. As barbatanas, cansadas, repousam. Não que eu tenha desistido de caminhar, ou debulhar meu canto por aí, a única coisa de que preciso no exato instante é organizar as muralhas, separar os gravetos, catar as folhas de outono e redecorar o quarto. Revelo quem sou, despisto o tempo, hipnotizo meus problemas, e ainda assim sou um turbilhão de coisas e não sei por onde começar. Extremamente catártico, ligeiramente absurdo, masturbação de sonhos e um leve tom de melancolia. Coisas de noites de insônias, cachoeiras, pensamentos agitados e meandros. Meus azuis às vezes soam confusos, mas eu bem sei condensar meu asfalto. Liso, leve, solto. Não tão lindo assim. Coração azul. Janela aberta. Eu sei que tenho muito pra falar. Mas tudo que me cabe agora é o repouso... um vestígio de alma... um feixe de luz.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Mangue


Brotou sem que eu soubesse. Antes era só orvalho e a neblina coloria minhas paisagens amendoadas. Faz pouco tempo que deixei as palavras condensarem meus espelhos novamente, e tudo que vem são os amores que despertam. Pra não falar dos versos antigos, renovo o brilho. As estampas estavam desbotadas e eu não tinha muito o que dizer: foram cinco meses em silêncio, sem me ouvir, sem falar. Apenas dancei o que o Vento cantava, enamorado de sua solidão estranha, enquanto eu me perdia nos repentes que a mim se achegavam. Não tive problemas com os marasmos, nem com  o sereno sobre o asfalto. Só senti falta da gota de orvalho a encharcar-me as folhas. Andei por aí seco, ressequido, esquecido... Deixei de me lembrar do amor, fixei-me longe da beira-mar, e minhas raízes adormeceram em algum lugar léguas de mim, porque o que eu não queria naquele momento era falar. Tudo em mim era silêncio... até você chegar.