segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Autorretrato

Minha criança,

Porque corres tanto? Olhas para trás e sorri para mim, acenando com olhos brilhantes. Tens uma alma leve e janelas que me conduzem a jardins infinitos. Traz-me paz e preenchimento. Faz meu peito transbordar e faz dos meus olhos um oceano inteiro.

Por que danças tanto?  Quando me aproximo te escondes, e ao mesmo tempo te mostras. Estende a mão e me pões a girar, fazendo com que eu sinta tua música e queira também cantar. Contagia-me com teu ritmo e velocidade, e ao mesmo tempo te assentas à beira do lago, fecha os olhos e, assim, voas ali, sem sair do lugar.

Por que me atrais tanto? Com braços abertos me aguardas para um longo abraço que, quando me entrego, não sei mais se sou tu ou se sou eu. Como se meu coração se limpasse e fosse tão transparente quanto tua áurea que, por fim, preenche todos os meus espaços. Como se a vida só fizesse sentido permeada pela tua doce presença, e a doçura em si fosse parte também de mim.

Por que quando te contemplo te sinto aqui? Como se um universo desabrochasse em mim e cada célula minha fossem estrelas de tua vastidão. E sinto que sou o mar, que sou o todo, o tudo e o nada. O ponto de encontro entre o perto e o longe, o dentro e o fora, a luz e a escuridão. O todo me atravessa e eu atravesso o todo. Como se tudo falasse e a beleza aparecesse, a Poesia nascesse e eu me expandisse.

Por que me atravessas? Me arrebatas de um jeito para um lugar onde o medo se torna lenda. O sublime me toma inteiro e me afoga em tua luz. Faz-me querer ser como tu, até que quando me dou conta sou teu espelho e, ao atravessar minha imagem, sou tu.


E assim corro, danço, atraio, contemplo, atravesso e vôo. Propago-me de tal forma que o único desejo é me dissolver, pois apagar-me, neste caso, é desenhar-te em mim...