Sinto o vento soprar. Um aperto no coração feito mãos que se
soltam. Eu que sempre acreditei em raízes hoje ando criando asas. Fecho os
olhos e ainda vejo lágrimas caindo. O desejo do último abraço das boas
lembranças que ficarão guardadas no meu velho baú, onde melodias soarão cada
vez menos até que neste relicário só haja silêncio.
Tudo que sei é avistar o céu e buscá-lo. Algo em mim quer que
eu permaneça em um jardim do qual não mais sou parte. Se o perfume não combina,
se a semente não brota, se não floresce, não dá para permanecer ali, a contemplar
a terra seca e desperdiçar adubos. É difícil abandonar jardins que já foram
morada e fazer com que se tornem lembranças.
Talvez voar seja um
exercício de autocuidado. Como se o céu preenchesse a vastidão que outrora foi
espaço de alguém. Como se a luz azul tocasse lacunas que ainda sangram. E
cantar para as nuvens fosse semear no infinito. Como se dançar com o vento
fosse dar um adeus ao que está ficando cada vez mais lá embaixo e mais longe, como
se o jardim secreto se tornasse por fim um ponto de consciência que se dissolve
no mar de lembranças e segredos, numa terra de histórias não contadas.
Se ali já deu flor, e hoje não mais, não faz mais sentido ter
raízes, pois poesia se faz com cores e amores respiram fertilidade. O jeito
então é acolher o adeus e deixá-lo ir. Como reticências que ecoam para terras
distantes, e dão lugar para novas paisagens. E as janelas do coração se abrem
para contemplar o céu e nele pintar estrelas. Serão entoadas novas canções e
lágrimas virarão chuva. Novos jardins serão regados e outros ciclos virão. Pois
partir é se permitir voar. E meu coração é céu. E também flor.